terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Quando os Culpados São os Mortos…

 

Quando os culpados são os mortos…

 

- Libertado finalmente o segredo de justiça, Portugal pôde aceder ao despacho do Ministério Público de Évora sobre um acidente em que, versão oficial, terá sido “vitimada” a viatura em que seguia um membro do Governo.

 

 

Ouvidas as testemunhas, e divulgado o resultado da “autópsia” da infausta viatura, bem como a do corpo recolhido nas imediações, tudo indicia serem loas as suspeições levantadas em torno duma investigação que estaria a ser conduzida de forma tendenciosa. Pelo contrário, fica a convicção de que os responsáveis pela nossa segurança interna apenas se entregam à nobre missão de “varrer estradas”, em regime de “voluntariado”.

 

Nada de surpreendente, num país em que ninguém está acima da lei e nem os familiares dos mortos escapam ao apuramento das suas responsabilidades, só porque “dá jeito morrer”. Já em 2009, e na sequência de uma fraude na Sub-Região de Saúde de Leiria, duas obscuras funcionárias foram condenadas por, já depois de falecerem, terem cometido a proeza de eliminar as provas incriminatórias à guarda da Instituição.  

 

Sem dúvida, também o presente relatório honra as tradições de um Estado de Direito em que, ainda recentemente, um médico-legista se atreveu a sugerir a tese de assassinato dum cidadão estrangeiro, falecido no Aeroporto de Lisboa por “morte natural”. “Delírio” que, neste país de boas contas, mereceu uma grave punição, nunca levantada. Mais uma decisão administrativa exemplar que, certamente, ainda irá merecer reconhecimento público num qualquer 10 de junho.     

 

A propósito, recordo outro “passarão”, o general Loureiro dos Santos, que, em tempos, ousou questionar a honra e a dignidade das Instituições que jurou servir fielmente. A que terei de somar Almerindo Marques, mais um “caso patológico” que, há meses, antes de morrer, tomou a iniciativa de prestar um “pidesco” depoimento ao Juiz Carlos Alexandre, outra personagem de perfil “sinistro” que insiste em prestar assistência a esse “doente em cuidados intensivos”, que é o TIC.

 

Atenta a este novo “despautério”, a nossa imprensa logo deu conta de que a herança de Almerindo Marques fora arrestada a mando de um qualquer obscuro juiz. E para não se violar o segredo de Justiça, nem sequer foram divulgadas as razões de tão célere e oportuna decisão, tomada poucos dias depois da morte desse “traidor à pátria”.

 

Enfim, curvemo-nos perante mais uma assinalável ação pedagógica exercida sobre os familiares de um “tresloucado” que, antes de sair do mundo, entendeu macular gestores públicos acima de suspeição, miseravelmente envolvidos em processos judiciais ainda em curso, enquanto outros, por falta de fundamento, até já mereceram uma justa prescrição. Corrupção em Portugal? Como é possível tal atoarda, se até alguns dos mais altos responsáveis pela nossa magistratura negam tal fantasia?

 

O relatório de Évora, alegadamente retido durante meses em segredo de justiça, devido a criteriosas investigações, deixou-me, no entanto, uma pertinente dúvida. A que velocidade seguia o “peão” para, literalmente, ter ficado com a bacia estilhaçada e o abdómen pulverizado, mesmo depois da comitiva oficial ter buzinado e travado à distância, perante o seu abusivo atropelo à livre ocupação rodoviária?

 

Perante tais factos, não há argumentos. Depois desta investigação, em que até a matéria fecal espalhada foi objeto de perícias nunca vistas, sinto-me obrigado a proferir um ato de contrição. É que, tendo reagido de forma irrefletida em tempos idos, entendo ser minha obrigação retratar-me e pedir solene desculpa a quem, tão afanosamente, vela pelo bom funcionamento das nossas Instituições.  

 

Eu pecador me confesso, em 2015 entendi participar numa campanha eleitoral para a Presidência da República, em que envolvi uma “fortuna” de vinte mil euros, mais IVA, sem subvenções oficiais e “escandalosamente” suportada por familiares. Uma opção que colocou em causa o normal funcionamento do Estado de Direito, tendo sido merecedora do devido escrutínio por parte das autoridades competentes, ao caso o Tribunal Constitucional, reconhecidamente o órgão com maior competência e isenção para analisar as contas das candidaturas a cargos políticos. E não só.

 

Suportada numa gestão financeira interna à prova do próprio Tribunal de Contas, e no apoio de um gabinete privado que o substituiu, depressa o constitucionalíssimo tribunal me apontou uma longa série de desconformidades, irregularidades, ilegalidades e até crimes.

 

Fruto desse afã, mais de quatro anos depois, a 28 de janeiro de 2020, e conforme então publiquei sob o título “Venho dizer-vos que não tenho medo”, calhou-me ser chamado à sede da PSP, de Leiria. Atendido de forma muito “profissional”, como então descrevi e poderei reproduzir se tal for julgado conveniente, aí fui informado que me fora concedido o “privilégio” de ser constituído arguido num processo-crime, com “direito” a termo de fixação de identidade e residência, caso não optasse por “não desistir dos meus direitos cívicos e políticos”, durante alguns anos.

 

Alegadamente, teria cometido vários crimes ao apresentar a declaração obrigatória de rendimentos e de património exigível no exercício de cargos políticos, uma “investigação” que ainda hoje prossegue com inquéritos, inquirições, processos e coimas em que me envolveram, bem como terceiros que me são próximos.

 

Tendo, de início, dispensado advogados, postura que adoto desde os tempos da ditadura, só mais tarde tomei conhecimento de que tal processo já correra anteriormente no DIAP de Lisboa tendo sido arquivado por “ausência de provas”. No entanto, e aparentemente com base em mais um “credível” email anónimo, o Tribunal Constitucional entendera justificarem-se novas averiguações.   

 

Dotado de feitio difícil, entendi então declinar o acordo que me foi proposto e assim me “furtar” à Justiça. Uma decisão de que agora me arrependo porque, embora nunca tivesse auferido de um cêntimo na prestação de cargos públicos, as “provas eram esmagadoras” e só flagrantes erros de investigação puderam justificar um novo arquivamento. Por acaso ou talvez não, a “amnistia” surgiu logo a seguir às eleições presidenciais de 2021. Após mais uma meticulosa devassa a toda a minha vida, pode concluir-se que a sorte protege os audazes…

 

Em Portugal, contudo, nem os mortos escapam à Justiça e, por este caminho, quem sabe se não arrisco novas investigações, depois de morto? Talvez então, e não se admirem, sejam finalmente encontrados os esqueletos que jazem no meu jardim.

 

 

 

Cândido Ferreira – Cidadão e escritor