quarta-feira, 19 de junho de 2013

DIZEM QUE SOU DE DIREITA, EU, QUE NUNCA FIZ GREVE



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NUNCA FIZ GREVE E DIZEM QUE SOU DA DIREITA.

Quando aconteceu o 25 de Abril, eu era quase um puto. Ou melhor, tinha acabado de deixar de o ser, já que tinha quase 22 anos. Nos dia de hoje seria homem e com capacidade para votar e influenciar a vida das outras pessoas há já quase quatro anos, mas na altura não era assim. Naqueles dias deixei de ser um puto porreiro e amigo das pessoas, preocupado com o bem estar dos que eu conhecia e dos que, sem conhecer ouvia falar, e passei a ser, por via da minha simpatia confessa (naquela altura) pelo PPD acabado de criar, um gajo da direita, por vezes até um fascista. E vivi assim até aos dias de hoje, ouvindo pareceres sobre a minha pessoa, ora bons ora maus, apesar das minhas simpatias não mais terem tido nome. Mas as minhas antipatias sempre o tiveram, apesar da condescendência para com elas que sempre me prezei de ter!
Na minha meninice e na minha juventude (fazia parte dos meninos beneficiados pela sorte por pertencer a uma posição social média e com estudos), a educação que me deram os meus pais, os meus tios e os meus avós, baseou-se sempre no imenso respeito pela maneira de viver dos outros, em especial pelos que menos tinham, no imenso respeito pelas ideias alheias, mesmo que fossem completamente diversas das minhas, no cuidado extremo na forma de falar e no que dizer, por forma a não ofender fosse quem fosse, fosse de que maneira fosse, na solidariedade e na entreajuda. À minha custa, aprendi nos primeiros anos de adulto, que muitos outros não tinham sido educados da mesma forma. Ao longo destes já muitos anos que levo de vida fui batalhando contra essa minha ingenuidade intrínseca, confesso que sem muito proveito.
Trabalhei trinta e seis anos, tendo começado por servente até atingir a posição de sócio-gerente, sempre na mesma firma, sem nunca ter feito greve e felizmente sem nunca ter faltado por ter estado doente ou por qualquer outra razão. Ensinaram-me a ser o primeiro a chegar e o último a sair e procurei sê-lo durante a maior parte dos anos de trabalho.
Vem isto a propósito dos últimos acontecimentos na vida dos meus concidadãos e minha.
Não vou falar dos energúmenos que roubam a coberto ou à descarada o dinheiro de todos nós.
Não vou falar dos interesse políticos de toda uma classe que não sabe o que é solidariedade ou entreajuda.
Não vou falar de greves e do que as centrais sindicais fazem supostamente em prol dos seus sócios prejudicando tudo e todos à sua volta, sem o mínimo de capacidade e interesse pelos outros que não eles ou o seu poleiro.
Desta vez vou falar de educação. Não no seu aspecto lato, que incluiria alunos e professores, instituições, ministros e secretários de estado, e pessoas em geral, mas no seu sentido restrito, no das relações entre as pessoas bem ou mal educadas.
Não chega ser-se doutor médico ou engenheiro, arquitecto ou professor, para se ser uma pessoa inteligente e mais que isso, moralmente bem formada e bem educada. Eu sei que para alguns, o moralmente bem formado cheira a fascismo e a religião (coisa horrorosa, bafienta e decadente), mas que hei-de fazer, educaram-me assim e é assim que eu sou. Infelizmente, e como nas pessoas de um modo geral, cada vez há mais burros carregados de livros, e "dótores" mal educados e moralmente mal formados. Claro que os há em toda a nossa população, espalhados por todo o lado, mas aqui, o que me importa hoje, é falar dos que têm a obrigação de ensinar os nossos filhos e de ajudar na sua formação e educação. Os senhores professores!
Ora, os senhores professores, cuidando dos direitos que julgam pertencer-lhes, e julgarão muito bem (não me vou meter nessa guerra, que não sou professor e temo saber pouco das suas reivindicações), entenderam fazer greve. Por certo não todos, por certo que alguns levados pelos outros, mas a sua maioria assim o entendeu, e, mais uma vez muito bem. Apesar de não acreditar em greves, apesar de nunca as ter feito, aceito, como é evidente, que estejam no seu legítimo direito. É uma questão de liberdade e o povo Português julga-se livre.
Aprendi no entanto que a liberdade de uns termina no preciso ponto onde começa a liberdade dos outros, e aqui começa a minha discordância com quem faz (fez) greve em algumas circunstâncias. Não concordei com as greves nos portos marítimos já que quase só prejudicavam a economia Nacional, nossa, de todos nós, não concordei com a greve nos transportes públicos já que quase só prejudicavam os utentes, não concordo com a greve dos senhores professores nesta altura dos exames Nacionais já que só prejudica os alunos e os seus agregados familiares.
É muito bonito falar-se e exigir-se a solidariedade de todos para com a luta dos docentes contra o "malfadado governo", que já dura à imensos governos (com cada novo ministro nova velha luta), mas onde está a dos senhores professores (neste caso concreto) pelos alunos que precisam das notas atempadamente para passarem ao ensino superior, ou que têm todo o direito a não terem de viver os problemas que não são directamente deles, para fazerem os seus exames com calma e sem qualquer stress acrescido, ou tão somente que precisam que tudo acabe rapidamente para partirem para as tão merecidas férias?
Serão danos colaterais, eu sei, estes prejuízos todos para os mais fracos, admissíveis em algumas guerras por parte de alguns beligerantes, mas a meu ver, os senhores é que ficam com a "ficha" suja. Se eu fosse aluno e estivesse nessas circunstâncias, não vos perdoaria, e se fosse pai de algum deles, também não.
O que os senhores professores estão a ensinar aos alunos é que não faz mal passar-se seja por cima de quem for desde que com isso obtenhamos os nossos intentos, e isso é formar mal as crianças e os adolescentes, futuros adultos e mandantes do nosso País.
Por fim vou falar das futuras reacções a este meu escrito. Se vos for possível, agradeço que não utilizem as palavras ofensivas que alguns de vós (felizmente poucos), comentadores de blogues, têm por hábito utilizar (vejo-os a cada passo nas caixas de comentários), atentadoras dos bons costumes (mais uma vez uma frase bafienta, horrorosa e decadente), das boas maneiras e dignas de pessoas mal formadas e/ou mal educadas. Os insultos, mesmo que brandos, só desmerecem quem os utiliza.

terça-feira, 18 de junho de 2013

MIGUEL SOUSA TAVARES


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SOBRE A GREVE DOS PROFESSORES
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NÃO CONSIGO ESTAR MAIS DE ACORDO, MAS SE CALHAR, AO QUE SE OUVE, SOU SÓ EU!
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A minha entrada no ensino foi feita numa pequeníssima aldeia rural do norte. Éramos uns 80 alunos, da 1ª à 4ª classe, todos juntos na mesma e única sala de aula da escola - que não me lembro se tinha ou não casas-de-banho, mas sei que não tinha qualquer espécie de aquecimento contra o frio granítico, de Novembro a Março, que nos colava às carteiras duplas, petrificados como estalactites. Lembro-me de que o "recreio" era apenas um pequeno espaço plano, enlameado no Inverno, e onde jogávamos futebol com uma bola feita de meias velhas e balizas marcadas com pedras. A escola não tinha um vigilante, um porteiro, uma secretária administrativa. Ninguém mais do que a D. Constança, a professora que, sozinha, desempenhava todas essas tarefas e ainda ensinava os rios do Ultramar aos da 4ª classe, a história pátria aos da 3ª, as fracções aos da 2ª, e as primeiras letras aos da 1ª. Ela, sozinha, constituía todo o pessoal daquilo a que agora se chama o 1º ciclo. Se porventura, adoecesse, ou se na aldeia houvesse, que não havia, um médico disposto a passar-lhe uma baixa psicológica ou outra qualquer quando não lhe apetecesse ir trabalhar, as 80 crianças da aldeia em idade escolar ficariam sem escola. Mas ela não falhou um único dia em todo o ano lectivo e eu saí de lá a saber escrever e para sempre apaixonado pela leitura. Devo-lhe isso eternamente.
Nesse tempo, não havia Parque Escolar, não havia pequenos-almoços na escola (que boa falta faziam!), não havia aquecimento nas salas, não havia o recorde de Portugal e da Europa de baixas profissionais entre os professores, não havia telemóveis nem iPads com os alunos, não havia "Magalhães" ao serviço dos meninos, mas sim lousas e giz, os professores não faziam greves porque estavam "desmotivados" ou "deprimidos" e a noção de "horário zero" seria levada à conta de brincadeira. Era assim a vida.
Não vou (notem: não vou) sustentar que assim é que estava bem. Limito-me a dizer que tudo é relativo e que nada do que temos por adquirido, excepto a morte, o foi sempre ou o será para sempre. E sei que na Finlândia - o país considerado modelo no ensino básico e secundário pela OCDE - os professores trabalham mais horas do que aqui, não faltam às aulas e ganham proporcionalmente menos. Com resultados substancialmente melhores, do único ponto de vista que interessa aos pais e aos contribuintes: o desempenho escolar dos alunos.
Só uma classe que recusou, como ultraje, a possibilidade de ser avaliada para efeitos de progressão profissional - isto é, uma classe onde os medíocres reivindicaram o direito constitucional de ganharem o mesmo que os competentes - é que se pode permitir a irresponsabilidade e a leviandade de decretar uma greve aos exames nacionais. Nisso, são professores exemplares: transmitem aos alunos o seu próprio exemplo, o exemplo de quem acha que os exames, as avaliações, são um incómodo para a paz de um sistema assente na desresponsabilização, na nivelação de todos por baixo, na ausência de estímulo ao mérito e ao esforço individual.
Mas a greve dos professores vai muito para lá deles: reflecte o estado de espírito de uma parte do país que não entendeu ou não quer entender o que lhe aconteceu. Deixem-me, então recordar: Portugal faliu. O Portugal das baixas psicológicas, dos direitos adquiridos para sempre, das falcatruas fiscais, das reformas antecipadas, dos subsídios para tudo e mais alguma coisa, dos salários iguais para os que trabalham e os que preguiçam, faliu. Faliu: não é mais sustentável. Podemos discutir, discordar, opormo-nos às condições do resgate que nos foi imposto e à sua gestão por parte deste Governo: eu também o faço e veementemente. Mas não podemos, se formos sérios, esquecer o essencial: se fomos resgatados, é porque fomos à falência; e, se fomos à falência, é porque não produzimos riqueza que possa sustentar o modo de vida a que nos habituámos. Se alguém conhece uma alternativa mágica, em que se possa ter professores sem crianças, auto-estradas sem carros, reformas sem dinheiro para as pagar, acumulando dívida a 6, 7 ou 8% de juros para a geração seguinte pagar, que o diga. Caso contrário, tenham pudor: não se fazem greves porque se acaba com os horários zero, porque se estabelece um horário semanal (e ficcional) de 40 horas de trabalho ou porque o Estado não pode sustentar o mesmo número de professores, se os portugueses não fazem filhos.
Por mais que respeite o direito à greve, causa-me uma sensação desagradável ver dirigentes sindicais, dos professores e não só, regozijarem-se porque ninguém foi trabalhar. Ver um sindicalismo de bota-abaixo constante, onde qualquer greve, qualquer manifestação, é muito mais valorizada e procurada do que qualquer acordo e qualquer negociação - como se, por cada português com vontade de trabalhar, houvesse outro cujo trabalho consiste em dissuadi-lo desse vício. Assim como me causa impressão, no estado em que o país está, saber que quase 200.000 trabalhadores pediram a reforma antecipada em 2012, mesmo perdendo dinheiro, e apesar de se queixarem da crise e dos constantes cortes nas pensões. Porque a mensagem deles é clara: "Eu, para já, mesmo perdendo dinheiro, safo-me. Os otários que continuarem a trabalhar e que se vierem a reformar mais tarde, em piores condições, é que lixam!" É o retrato de um país que parece ter perdido qualquer noção de destino colectivo: há um milhão de portugueses sem trabalho e grande parte dos que o têm, aparentemente, só desejam deixar de trabalhar. Será assim que nos livraremos da troika?
As coisas chegaram a um ponto de anormalidade tal, que, quando o ministro da Educação, no exercício do seu mais elementar dever - que é o de defender os direitos dos alunos contra a greve dos professores - convoca todos eles para vigiar os exames, aqui d'El Rey na imprensa bem-pensante que se trata de sabotar o legítimo direito à greve. Ou seja: que haja professores (que os há, felizmente!) dispostos a permitir que os alunos tenham exames é uma violação ilegítima do direito dos outros a que eles não tenham exames. Di-lo o dr. Garcia Pereira, o advogado dos trabalhadores e do dr. Jardim, infalível defensor da classe operária, e o mesmo que, no final do meu tempo de estudante, na Faculdade de Direito de Lisboa, invocando os ensinamentos do grande camarada Mao, decretava greve aos "exames burgueses" - que o fizeram advogado.
Não contesto que as greves, por natureza, causem incómodos a outrem - ou não fariam sentido. Mas há limites para tudo. Limites de brio profissional: um cirurgião não resolve entrar em grave quando recebe um doente já anestesiado pronto para a operação; um controlador aéreo não entra em greve quando tem um avião a fazer-se à pista; um bombeiro não entra em greve quando há um incêndio para apagar. Eu sei que isto que agora escrevo vai circular nos blogues dos professores, vai ser adulterado, deturpado, montado conforme dê mais jeito: já o fizeram no passado, inventando coisas que eu nunca disse, e só custa da primeira vez. Paciência, é isto que eu penso: esta greve dos professores aos exames, por muitas razões que possam ter, é inadmissível.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
Texto publicado na edição do Expresso de 15 de Junho de 2013
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