O MEU TIO R
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De uma forma ou de outra todos nós temos ou tivemos um tio. Eu ainda tenho. Às vezes, quase todas as vezes, os tios que temos não nos dizem nada de especial, outras vezes, pelo contrário, são como este que eu tenho.
Este tio que eu tenho é o «meu tio». Não tenho outro, nem nunca tive. Bem, isso não é propriamente verdade. Tive e tenho ainda outros tios, mas são-no por afinidade, casaram com as minhas tias. Assim, este é o meu verdadeiro Tio.
Ora bem, o meu tio, pois que é deste tio que eu tenho que se trata, foi sempre o meu tio preferido. A seu lado, sentia-me bem, querido, compreendido. Em nenhum outro lado me sentia assim. A sua rebeldia, a sua forma solta de viver, a utilização exacerbada de palavras em calão, os seus amuos iguais aos meus, o seu companheirismo, a sua susceptibilidade e o ser em quase todos os aspectos a antítese do que era o meu pai, faziam-me vibrar. Para além de tudo o resto, a descontracção e a aparente despreocupação do meu tio, aliadas à demonstração de uma enorme alegria de viver, contrastavam enormemente com a sisudez de meu pai.
Quando tive idade para «fugir» de debaixo das saias de minha mãe, comecei a «fugir» para casa dele, para a praia dele, para o café dele, para qualquer lado onde a sua presença se manifestasse. Com o meu tio R, aprendi muitas coisas. Sempre me pareceu que sabia de tudo um pouco, e eu bebia as suas palavras com alguma sofreguidão. Fosse do que fosse que se falasse, ele sempre tinha uma opinião, um comentário ou uma palavra adequada ao assunto. Os filhos do meu tio, eram os meus irmãos mais novos, mas a vida, madrasta, foi-se encarregando de nos afastar um pouco e aos poucos, muito embora ainda hoje eu os veja da mesma forma, e a saudade dos tempos antigos seja muito grande.
O outro lado da família, o lado paterno, que sempre tinha sido o meu poiso obrigatório até essa altura, começou a perder a cor e a igualar-se a este, nas minhas preferências. Perdia até, muitas vezes, quando eu tinha de optar por um lado ou outro. Inevitavelmente, ao fim de pouco tempo, acabou por perder totalmente em favor deste.
Se fosse possível dizê-lo desta forma, gostava tanto do meu tio como gostava de meu pai. De modo diferente, mas com a mesma paixão.
Hoje não é diferente. Continuo a vê-lo como um segundo pai. Não sei se ele me vê como mais um filho, mas de certeza que me vê como um, razoavelmente bom, sobrinho.
A cada passo, com uma assiduidade menor que a desejável, vou procurá-lo. Sei qual o café onde pára e por lá fico meia dúzia de minutos, à conversa, sobre tudo ou sobre nada, a saber novidades ou a fazê-las saber. Muitas vezes, só pelo prazer de ali estar, de olhar para ele, de o ouvir falar.
A minha paixão por este homem foi sempre tão grande e de tal maneira visível que, quando alguém (sempre os mesmos) me queria aborrecer, ou castigar por alguma coisa que eu tivesse dito ou feito, atirava-me à cara, dando um cariz negativo à maneira de ser do meu tio, que eu era igualzinho ao que ele era. E eu, lá no fundo, sentia um bocadinho, por vezes não tão 'inho' quanto isso, de orgulho, e sorria intimamente.
Portista indefectível, chegou a trabalhar graciosamente para o clube. Um dia, num domingo, foi só um mas ficou-me gravado para toda a vida, levou-me com ele e com a minha prima mais velha ao futebol, às Antas. Fomos para os lugares cativos que eles possuíam, na bancada. Tinham cadeiras só deles, no estádio, para onde iam todos os dias, naquele tempo era quase sempre ao domingo, em que o Porto jogasse lá. Não me lembro já de qual o jogo que se estava a realizar, mas a situação, o prazer, o sonho de lá estar, fez-me sentir excepcionalmente bem, como durante anos mais nada o conseguiu. Nunca tive um lugar cativo nas Antas ou em lugar algum, mas sempre que pensava no que o meu tio e minha prima tinham, sentia invariavelmente uma pontinha de inveja. Quem me dera... !
Acompanhei-o e à minha tia e aos meus primos, inúmeras vezes, a Freamunde e a Lousada, para patuscadas, brincadeiras, vivências em família. Foram momentos únicos que nunca esquecerei, e que me trazem imensas saudades.
Durante alguns anos, infelizmente muito poucos, fizemos a ceia de Natal todos juntos, em casa de meus pais. Se exceptuar os da minha meninice e juventude dadas as suas características, foram dos Natais que mais lembranças e saudades me deixaram, pela diferença, pelo amor e pela alegria que os meus tios e primos nos trouxeram. Foram talvez, dos poucos, senão únicos, Natais, em que eu vi o meu Pai sorrir muito e até chegar a rir de felicidade. Essa alegria foi e é, a imagem de marca de todos eles.
O meu tio é irmão de minha mãe. Mais novo quatro anos em idade, mas muitos mais em maneira de ser. A sua enorme teimosia faz parte do seu encanto.
O meu «tio pobre», como ele gostava de se chamar, era e ainda o é hoje em dia, o meu ídolo.
Nos dias que agora passam, desejo-lhe toda a saúde do mundo, toda a felicidade do mundo, tudo o que o mundo lhe possa trazer de bom.
Faz hoje anos o meu Tio. Já em número digno de ser registado. Muitos parabéns. Desejo continuar a contá-los por muitos e muitos anos.
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Este tio que eu tenho é o «meu tio». Não tenho outro, nem nunca tive. Bem, isso não é propriamente verdade. Tive e tenho ainda outros tios, mas são-no por afinidade, casaram com as minhas tias. Assim, este é o meu verdadeiro Tio.
Ora bem, o meu tio, pois que é deste tio que eu tenho que se trata, foi sempre o meu tio preferido. A seu lado, sentia-me bem, querido, compreendido. Em nenhum outro lado me sentia assim. A sua rebeldia, a sua forma solta de viver, a utilização exacerbada de palavras em calão, os seus amuos iguais aos meus, o seu companheirismo, a sua susceptibilidade e o ser em quase todos os aspectos a antítese do que era o meu pai, faziam-me vibrar. Para além de tudo o resto, a descontracção e a aparente despreocupação do meu tio, aliadas à demonstração de uma enorme alegria de viver, contrastavam enormemente com a sisudez de meu pai.
Quando tive idade para «fugir» de debaixo das saias de minha mãe, comecei a «fugir» para casa dele, para a praia dele, para o café dele, para qualquer lado onde a sua presença se manifestasse. Com o meu tio R, aprendi muitas coisas. Sempre me pareceu que sabia de tudo um pouco, e eu bebia as suas palavras com alguma sofreguidão. Fosse do que fosse que se falasse, ele sempre tinha uma opinião, um comentário ou uma palavra adequada ao assunto. Os filhos do meu tio, eram os meus irmãos mais novos, mas a vida, madrasta, foi-se encarregando de nos afastar um pouco e aos poucos, muito embora ainda hoje eu os veja da mesma forma, e a saudade dos tempos antigos seja muito grande.
O outro lado da família, o lado paterno, que sempre tinha sido o meu poiso obrigatório até essa altura, começou a perder a cor e a igualar-se a este, nas minhas preferências. Perdia até, muitas vezes, quando eu tinha de optar por um lado ou outro. Inevitavelmente, ao fim de pouco tempo, acabou por perder totalmente em favor deste.
Se fosse possível dizê-lo desta forma, gostava tanto do meu tio como gostava de meu pai. De modo diferente, mas com a mesma paixão.
Hoje não é diferente. Continuo a vê-lo como um segundo pai. Não sei se ele me vê como mais um filho, mas de certeza que me vê como um, razoavelmente bom, sobrinho.
A cada passo, com uma assiduidade menor que a desejável, vou procurá-lo. Sei qual o café onde pára e por lá fico meia dúzia de minutos, à conversa, sobre tudo ou sobre nada, a saber novidades ou a fazê-las saber. Muitas vezes, só pelo prazer de ali estar, de olhar para ele, de o ouvir falar.
A minha paixão por este homem foi sempre tão grande e de tal maneira visível que, quando alguém (sempre os mesmos) me queria aborrecer, ou castigar por alguma coisa que eu tivesse dito ou feito, atirava-me à cara, dando um cariz negativo à maneira de ser do meu tio, que eu era igualzinho ao que ele era. E eu, lá no fundo, sentia um bocadinho, por vezes não tão 'inho' quanto isso, de orgulho, e sorria intimamente.
Portista indefectível, chegou a trabalhar graciosamente para o clube. Um dia, num domingo, foi só um mas ficou-me gravado para toda a vida, levou-me com ele e com a minha prima mais velha ao futebol, às Antas. Fomos para os lugares cativos que eles possuíam, na bancada. Tinham cadeiras só deles, no estádio, para onde iam todos os dias, naquele tempo era quase sempre ao domingo, em que o Porto jogasse lá. Não me lembro já de qual o jogo que se estava a realizar, mas a situação, o prazer, o sonho de lá estar, fez-me sentir excepcionalmente bem, como durante anos mais nada o conseguiu. Nunca tive um lugar cativo nas Antas ou em lugar algum, mas sempre que pensava no que o meu tio e minha prima tinham, sentia invariavelmente uma pontinha de inveja. Quem me dera... !
Acompanhei-o e à minha tia e aos meus primos, inúmeras vezes, a Freamunde e a Lousada, para patuscadas, brincadeiras, vivências em família. Foram momentos únicos que nunca esquecerei, e que me trazem imensas saudades.
Durante alguns anos, infelizmente muito poucos, fizemos a ceia de Natal todos juntos, em casa de meus pais. Se exceptuar os da minha meninice e juventude dadas as suas características, foram dos Natais que mais lembranças e saudades me deixaram, pela diferença, pelo amor e pela alegria que os meus tios e primos nos trouxeram. Foram talvez, dos poucos, senão únicos, Natais, em que eu vi o meu Pai sorrir muito e até chegar a rir de felicidade. Essa alegria foi e é, a imagem de marca de todos eles.
O meu tio é irmão de minha mãe. Mais novo quatro anos em idade, mas muitos mais em maneira de ser. A sua enorme teimosia faz parte do seu encanto.
O meu «tio pobre», como ele gostava de se chamar, era e ainda o é hoje em dia, o meu ídolo.
Nos dias que agora passam, desejo-lhe toda a saúde do mundo, toda a felicidade do mundo, tudo o que o mundo lhe possa trazer de bom.
Faz hoje anos o meu Tio. Já em número digno de ser registado. Muitos parabéns. Desejo continuar a contá-los por muitos e muitos anos.
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