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POBRES E NO ENTANTO CULTOS
Estavam os três sentados numa das mesas, a mais afastada da entrada, e o único que tinha barba, pêra e bigode, razoavelmente cuidada, falava mais que os outros, como que dando uma aula. A espaços era interrompido com perguntas ou comentários. Falavam da dificuldade em arranjar emprego remunerado, que trabalho todos iam tendo de uma maneira ou de outra.
Distraí-me, a conversa dos outros não me diz respeito, e quando por acaso voltei a prestar atenção, já a conversa versava sobre política internacional. E o que ouvia era bem dito e com conhecimento de causa. Achei estranho já que os três indivíduos me tinham parecido, à primeira vista, “uns pobres coitados”, e comecei a prestar um pouco de atenção. Mais tarde ainda falaram de fotografia, melhor dito, um falou, e bem, e os outros ouviram, como seria de se esperar já que estavam num local que promovia exposições e mostras de fotografia, e acabaram a falar de música clássica e da sua mistura com a música ligeira.
Todos mostravam uma cultura acima da média e uma forma de falar cuidada, com o homem da barba a comandar e reger a conversa.
Tudo aquilo era um pouco estranho para mim. A letra não condizia com a careta.
Aos poucos, com o evoluir do que fui ouvindo, fiquei a saber que eram três “sem abrigo”, todos na casa dos cinquenta anos, sendo um de Coimbra, e dois da área do Porto.
Quando reparei que tinha esmorecido a conversa, fui falar com eles.
Com alguma dificuldade lá me confidenciaram que um tinha uma licenciatura em gestão, outro tinha ficado pelo terceiro ano de medicina e o terceiro tinha o antigo sétimo ano do liceu e tinha estudado alguns anos de piano no conservatório. Todos a viver na rua, sem emprego, sem família, sem amigos. E no entanto, cultos e interessados pelas coisas da vida e do mundo.
E eu que julgava que “esta gente” mais não era que um bando de desgraçados, bebedolas, que se tinham entregado às dificuldades da vida, desistindo de viver.
Como a gente se engana!
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É mesmo. Como a gente de engana! E parece que casos como estes se irão multiplicar porque cada vez há mais gente instruída que não consegue encontrar trabalho.
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