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MAIS ESTRANGEIRO QUE PORTUGUÊS.
Mais um ano, mais um Carnaval que na maior parte do país, é estrangeiro, sendo que neste ano, e por causa da crise e das crises, a contenção de despesas tenha obrigado a que sejam muito menos os artistas do outro lado do Atlântico convidados a ‘abrilhantar’ as festas.
Continuam no entanto por aí uns senhores, e uma parte significativa da população, a fazer corsos, à moda do Brasil, com as miúdas nuínhas e tudo, a desfilar debaixo de chuva e cheias de frio, e a tentar dançar samba, despidas com as roupas do Carnaval do Rio.
Até quando?
Por muito bonito que seja, por muito alegre que seja, não é nosso, não é da nossa tradição, não está bem.
Felizmente ainda há por aí umas terras onde se faz o dito à nossa moda, com as nossas tradições a imporem a sua valia. São todavia uma pequena gota no charco da nossa vida.
Mais um ano, mais um Carnaval importado apesar de cada um lhe chamar ‘à moda da sua terra’.
Tenho saudades dos outros tempos.
Dos tempos em que o Carnaval não era, como agora, só para as crianças e para os basbaques verem o corso passar, tendo como pano de fundo o lucro que a respectiva organização terá de ter. Do Carnaval, que ao contrário dos dias de hoje, era muito mais que um brinquedo, igual a tantos outros com que as nossas crianças brincam (?), e que tudo fazem sozinhos. Do Carnaval que não era quase só o estar sentado a olhar para a televisão que passa o Corso de Brasil.
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Nessa altura, as pessoas, muitas, mesmo muitas, viviam a festa destes dias, e preparavam-se com antecedência para esses três dias de folia.
Brincavam ao Carnaval, organizavam grupos e mascaravam-se tematicamente. Lembro-me de num ano me ter mascarado de ‘Homem Invisível’ e de no meu grupo haver mais alguns mascarados de heróis de banda desenhada da altura como o ‘Fantasma’, o ‘Zorro’ ou o ‘Buck Rogers’, e de noutro ano o nosso grupo se ter mascarado de ‘ambulância e urgência de hospital’ com médicos, enfermeiras, e dois doentes, um numa padiola com soro e tudo e outro com muletas e todo cheio de ligaduras, levando à frente a sirene a sinalizar a nossa marcha e chegada à festa.
Nessa altura, havia, espalhadas pela cidade, inúmeras festas particulares e muitas festas públicas todas com a obrigatoriedade do uso de máscaras, onde nos divertíamos noite fora. E para os não convidados (muitos de nós não queríamos convites para nada), havia sempre a hipótese de um assalto organizado. Imensos grupos de gente mascarada assaltavam festas e, imagine-se, eram sempre muito bem recebidos. Sim, havia ‘assaltos de Carnaval’ nas noites de sábado e segunda-feira. Quase se poderia dizer que festa que não fosse ‘assaltada’, não era festa. Coisa impensável nos dias de hoje, por falta da capacidade da nossa juventude se saber divertir, e mais importante, por causa da insegurança que graça por aí.
E tantas outras coisas que se faziam por esse Portugal fora, próprias do nosso Carnaval, e que hoje quase só existem em poucos lugares meio esquecidos.
Mas também havia corso, mas à nossa moda, à moda Portuguesa, sem samba ou meninas despidas e cheias de frio.
Nessa altura, sabíamo-nos divertir. Nós fazíamos a festa. Inventávamos alegria. Gente de todas as idades brincava nestes três dias. Tinha de ser assim também, porque não tínhamos, como nos dias de agora, um ano inteiro de Carnaval, protagonizado pelos nossos dirigentes que dia-a-dia nos (dês)governam, o que convenhamos, cansa qualquer um!
Hoje, nós, como os nossos filhos, sobrinhos ou netos, só sabemos brincar parados, olhando para os brinquedos que brincam sozinhos, olhando para a alegria dos outros, o que é uma tristeza.
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