OS MEUS SONHOS DE NATAL - A SENHORA MARGARIDA.
São sonhos velhos, os que tenho, com muitas saudades misturadas, de muitos Natais bem passados, com uma família enorme (sim, é verdade, pertenço aos felizardos que tiveram uma infância e adolescência felizes, e com uma família grande), com um avô paterno bonacheirão e amigo de comer bem, tias e tios e primos que enquanto o dinheiro não abundou, se mostraram sempre muito boas pessoas, e a felicidade de todos os anos, dormirmos (fomos durante muitos anos dezanove) de 24 para 25 em casa dos avós, todos juntos, numa alegria imensa.
A consoada, com toda a gente à mesma mesa, ou quase toda porque os mais pequenos ficavam numa mesa à parte por falta de espaço, era barulhenta, com todos a falar ao mesmo tempo, e muito alegre. Não havia espaço para o silêncio nem para a menos alegria. Ninguém abandonava a mesa sem autorização do meu avô, mas também ninguém queria, e o jantar durava muito tempo, sabendo todos nós de antemão, que no dia seguinte o almoço seria mais uma vez uma enorme festa.
Perto da meia-noite, os mais velhos iam assistir à Missa do Galo, enquanto os mais novos estavam já na cama, de olhos esbugalhados pela insónia provocada pala ânsia da chegada da manhã do dia seguinte e das prendas que cada um iria ter nessa altura.
Prendas, era uma para cada um, e que maravilhosa que essa prenda era. O primeiro a acordar ia ver se o Menino Jesus já tinha chegado e colocado as prendas nos sapatos que estavam em cima do fogão de lenha, e vinha avisar os outros. Cada um se entretinha a ver o que lhe tinha calhado e depois era a festa de mostrar aos outros e começar a brincar.
Mas as minhas saudades e os meus sonhos sobre os bons tempos, não se limitam à época de Natal. Lá em casa, havia duas pessoas mais, que eram como que da família; a srª Margarida e o sr Aurélio. Eram casados um com o outro e desde tempos imemoriais, trabalhavam para os meus avós. O sr Aurélio, homem bom mas muito reservado e pouco dado a manifestações, tratava de tudo o que dissesse respeito aos animais e ao campo e obedecia cegamente à mulher, e a srª Margarida, dava ordens sobre ordens ao marido e tratava das lides da casa e da cozinha. Nos últimos anos, já doente, era quase só da cozinha que tratava (e que bem que cozinhava), pois que tinha uma ajudante para os quartos. Eram, estes dois, para mim como uns segundos avós, principalmente ela, por quem eu, e todos os meus primos (éramos nove), tínhamos uma adoração enorme, que era correspondida em triplicado. Era a nossa conselheira, a nossa ouvinte, aquela a quem, quando era preciso dizer alguma coisa aos nossos pais ou avós e não havia muita coragem, nós confiávamos a diligência de o fazer, e tínhamos a certeza que o seria bem feito. Era a alma daquela casa! Depois da sua morte, nunca mais nada foi o mesmo.
A cozinha, razoavelmente grande, era o local por excelência do casarão, e a srª Margarida era a dona única daquele espaço. Lá nos reuníamos, fofocávamos, bilhardávamos, desfazíamos zangas novas ou antigas, contávamos anedotas, ouvíamos histórias de tempos idos, recebíamos ofertas de batatas ou couves tronchudas ou qualquer outro mimo, roubávamos batatas acabadas de fritar, e comíamos uns ovos estrelados (um dos meus mimos preferidos e que ela adorava oferecer) com um sabor tal, que por muito que tenha procurado, nunca mais na minha vida voltei a encontrar.
Nesta véspera de Natal, noite de consoada, voltei a lembrar-me desses tempos (a srª Margarida faleceu no início de 1991 e o sr Aurélio já há anos tinha morrido), da enorme falta que essa mulher me faz, e senti uma tristeza imensa, tanto pelas saudades desses tempos fabulosos, como pela impossibilidade dos meus filhos e sobrinhos crescerem com tanta qualidade, quanto a que nós tivemos.
Um bom e SANTO NATAL para todos, com a Avé Maria de Gounod.
.
JM
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A consoada, com toda a gente à mesma mesa, ou quase toda porque os mais pequenos ficavam numa mesa à parte por falta de espaço, era barulhenta, com todos a falar ao mesmo tempo, e muito alegre. Não havia espaço para o silêncio nem para a menos alegria. Ninguém abandonava a mesa sem autorização do meu avô, mas também ninguém queria, e o jantar durava muito tempo, sabendo todos nós de antemão, que no dia seguinte o almoço seria mais uma vez uma enorme festa.
Perto da meia-noite, os mais velhos iam assistir à Missa do Galo, enquanto os mais novos estavam já na cama, de olhos esbugalhados pela insónia provocada pala ânsia da chegada da manhã do dia seguinte e das prendas que cada um iria ter nessa altura.
Prendas, era uma para cada um, e que maravilhosa que essa prenda era. O primeiro a acordar ia ver se o Menino Jesus já tinha chegado e colocado as prendas nos sapatos que estavam em cima do fogão de lenha, e vinha avisar os outros. Cada um se entretinha a ver o que lhe tinha calhado e depois era a festa de mostrar aos outros e começar a brincar.
Mas as minhas saudades e os meus sonhos sobre os bons tempos, não se limitam à época de Natal. Lá em casa, havia duas pessoas mais, que eram como que da família; a srª Margarida e o sr Aurélio. Eram casados um com o outro e desde tempos imemoriais, trabalhavam para os meus avós. O sr Aurélio, homem bom mas muito reservado e pouco dado a manifestações, tratava de tudo o que dissesse respeito aos animais e ao campo e obedecia cegamente à mulher, e a srª Margarida, dava ordens sobre ordens ao marido e tratava das lides da casa e da cozinha. Nos últimos anos, já doente, era quase só da cozinha que tratava (e que bem que cozinhava), pois que tinha uma ajudante para os quartos. Eram, estes dois, para mim como uns segundos avós, principalmente ela, por quem eu, e todos os meus primos (éramos nove), tínhamos uma adoração enorme, que era correspondida em triplicado. Era a nossa conselheira, a nossa ouvinte, aquela a quem, quando era preciso dizer alguma coisa aos nossos pais ou avós e não havia muita coragem, nós confiávamos a diligência de o fazer, e tínhamos a certeza que o seria bem feito. Era a alma daquela casa! Depois da sua morte, nunca mais nada foi o mesmo.
A cozinha, razoavelmente grande, era o local por excelência do casarão, e a srª Margarida era a dona única daquele espaço. Lá nos reuníamos, fofocávamos, bilhardávamos, desfazíamos zangas novas ou antigas, contávamos anedotas, ouvíamos histórias de tempos idos, recebíamos ofertas de batatas ou couves tronchudas ou qualquer outro mimo, roubávamos batatas acabadas de fritar, e comíamos uns ovos estrelados (um dos meus mimos preferidos e que ela adorava oferecer) com um sabor tal, que por muito que tenha procurado, nunca mais na minha vida voltei a encontrar.
Nesta véspera de Natal, noite de consoada, voltei a lembrar-me desses tempos (a srª Margarida faleceu no início de 1991 e o sr Aurélio já há anos tinha morrido), da enorme falta que essa mulher me faz, e senti uma tristeza imensa, tanto pelas saudades desses tempos fabulosos, como pela impossibilidade dos meus filhos e sobrinhos crescerem com tanta qualidade, quanto a que nós tivemos.
Um bom e SANTO NATAL para todos, com a Avé Maria de Gounod.
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JM
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