sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

COMO SE FORA UM CONTO - Acordo Ortográfico, para que nos serve?

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O ACORDO ORTOGRÁFICO E OS SMS

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Hoje já ninguém sabe escrever.

Os SMS, forma de escrita usada pala maior parte da população activa, vieram empobrecer a escrita. As abreviaturas, os «kapas», e a limitação do número de caracteres passíveis de serem utilizados numa dessas mensagens, vieram desvirtuar tudo.

Antigamente, foi há bem poucos anos mas parece já ter passado uma eternidade, escreviam-se cartas, algumas, deva dizer-se, de fino trato literário. Uma declaração de amor, escrita, era por vezes um tratado de bem escrever. Uma mentira era escrita com um cuidado extremo, escolhendo muito bem as palavras empregues. O saber de novas e informar das que se sabem, obedecia a uma forma escrita correcta e agradável.

Hoje, os correios já pouco trabalham na entrega desse tipo de missivas. O telefone, primeiro, o correio electrónico, mais tarde, e depois, de novo o telefone na sua versão portátil, com a possibilidade de enviar mensagens curtas, acabaram com essa forma de comunicação.

Escrevi milhares de cartas. Aos poucos, e à medida que a idade ia avançando, escolhia com mais cuidado as palavras empregues, o papel em que as escrevia, e até a esferográfica ou a caneta de tinta permanente que utilizava.

Como toda a gente, cada vez escrevo menos cartas. O correio electrónico e a conversa pelo telefone, vieram substituir na sua maior parte a minha maneira de contactar. Mas continua a existir em mim a paixão pela escrita em papel, preferencialmente feita com caneta de tinta permanente.

Hoje já ninguém sabe escrever. Já não é preciso, dizem os mais novos que na sua maior parte têm uma caligrafia ininteligível. O vocabulário da maior parte dos Portugueses com menos de trinta e cinco anos está reduzido a um mínimo, e o ensino vigente parece apoiar essa redução e aquelas letras que mais parecem hieróglifos.

Hoje já ninguém sabe falar, a não ser sozinho. Já ninguém fala de olhos nos olhos. Fala-se de olhos postos no chão, olhando para o ecrã do computador ou para o telemóvel, e, a mais das vezes, utilizando um vocabulário reduzidíssimo. Na maior parte das ocasiões já nem se fala, limitando-se a pessoa em causa a enviar uma mensagem escrita pelo «portátil», seja ele telemóvel ou computador. A conversa tal qual sempre se entendeu como tal, tende a desaparecer das novas gerações. Escrevem-se uns amontoados de letras a que chamam mensagens, muitas vezes sem pontuação e escritas com abreviaturas, e as respostas, ou a falta delas, são recebidas na solidão escondida de um qualquer canto. O mais estranho é que há quem diga que entende essa forma de comunicação escrita.

Esse tipo de comportamento serve na maior parte das vezes para mentir, para esconder, para tornar tudo mais fácil e despreocupado. Nessas mensagens, ou nas conversas via telemóvel, dizem-se as maiores barbaridades, ou fala-se em voz muito alta dos casos mais íntimos, à beira seja de quem for, sem o mínimo pudor. O interlocutor está do outro lado, não se vê nem nos vê. E no caso de mensagens escritas é ainda mais notório e fácil, já que tudo é feito no silêncio da solidão, e nem se sente, mesmo que ao de leve, a reacção da outra parte.

Neste contexto, para que serve um acordo ortográfico? Para ser usado por quem? Pelos mesmos que só sabem escrever mensagens curtas em telemóveis, com meia dúzia de palavras abreviadas e com caracteres que não existem na nossa escrita?

Por outro lado, a quem vai beneficiar o acordo que agora se discute?

Quem tem de mudar a sua forma de escrita, vai ter de fazer um esforço. Que País tem de fazer o esforço maior? Não será Portugal que irá ver modificado o maior número de vocábulos?

Que interesses económicos estão por trás deste acordo?

Que interesse tem uma nova forma de escrever as mesmas coisas, se não há quem as entenda, se não há quem as use, se não há quem as aprenda? (É essa, cada vez mais, a tendência em Portugal)

A língua escrita tem forçosamente que evoluir de modo a normalizar a forma de escrever de toda agente que fala o Português, mas não antes de voltar a haver gente capaz de utilizar, como devem ser utilizadas, as palavras que a nossa língua tem.

Não seria melhor deixar toda a escrita como está, e, em primeiro lugar ensinar os nossos jovens a escrever, a saber usar as palavras que temos, e a perceber o que escrevem e o que lêem?

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(In O Ptrimeiro de Janeiro, 08-01-2010)

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JFM
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