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PORQUE NÃO SE CALA, PORQUE NÃO SE VAI?
Há semanas, escrevi uma crónica em que criticava o longo silêncio estival da Direcção do meu partido. De facto, tal voto de clausura tinha permitido que José Sócrates não só tivesse passado quase incólume por um período de tempo em que preocupantes acidentes de insegurança pública e os principais sinais de crise económica e social fustigavam o quotidiano dos portugueses, como lhe havia permitido formatar os primeiros acordes de um discurso eficaz para a apresentação do último Orçamento de Estado desta legislatura.
Após o inconsistente discurso de encerramento da Universidade de Verão, a Direcção do PSD fez "mea culpa" pública e entrou numa corrida desenfreada de declarações e entrevistas. Numa escassa semana, a presidente do PSD passou pelas "Cartas na Mesa", de Constança Cunha e Sá, na TVI, pela entrevista no programa "Negócios da Semana", na SIC N, terminando com uma ida à "Grande Entrevista", de João Marcelino e Paulo Baldaia, na TSF/DN.
Três horas de exposição pública em meia dúzia de dias é de facto uma hipermotilidade funcional para quem tinha feito um voto empenhado na defesa da castidade política do silêncio. Silêncio apelidado de táctica e de estilo. Pelos vistos, quer a táctica quer o estilo deram uma instantânea volta de 180 graus. A convicção da opção anterior foi, pois, facilmente postergada face ao descalabro das últimas sondagens.
Chegou o discurso. Triste, sombrio, sincopado, esterilmente agressivo e incoerente. De uma pobreza confrangedora.
A começar pelo que se traduziu no contraponto ao Orçamento de Estado. O maior partido da Oposição começou por condenar o hiperoptimismo da previsão de um crescimento económico de 0,6%. De seguida, quando era expectável que avançasse com uma proposta global que tornasse perceptível um modelo alternativo de política económica e social, limitou-se a propor meia dúzia de medidas pontuais avulsas.
Que credibilidade merece quem pede para governar assente numa proposta cujos principais e quase únicos temas de contraponto de política orçamental são a descida de 1% na taxa social única, a alteração do regime de remuneração dos certificados de aforro e a eliminação do pagamento especial por conta? Com a agravante do famoso rigor ter sido esquecido face à forma como se atirava instantaneamente o défice orçamental para perto da fasquia dos 3% do PIB. Com a falta de decoro de se ocultar que o famigerado PEC é o filho da colecta mínima instituída pela ministra das Finanças de Durão Barroso.
As intervenções subsequentes só serviram para somar todos os dias novas razões para que o pessimismo se instale nas hostes sociais-democratas. Desde o ataque desabrido ao aumento de 20 euros ao salário mínimo nacional, à reiterada oposição à criação de uma nova dinâmica de relançamento do investimento público, os erros sucedem-se. Obrigando a Direcção do PSD a sucessivos e poucos edificantes recuos, a digerir importantes desautorizações públicas, ou à ilustração de uma impreparação insanável.
Na entrevista à SIC Notícias, face ao isolamento criado pelo apoio generalizado das forças políticas à subida do RMN (Rendimento Mínimo Nacional) - incluindo do próprio CDS -, a líder do PSD recuou desdizendo tudo o que vinha a afirmar. Na mesma entrevista, meteu as mãos pelos pés, quando confrontada com a posição de Durão Barroso e da Comissão Europeia relativa ao relançamento de uma nova inércia pública de grandes investimentos. Sobre esse tema, as explicações dadas à TSF/DN foram caricatas. "A ida da auto-estrada a Bragança? Sim, por causa da solidariedade nacional. A ida do TGV a Madrid? Não. Porque não se devem nunca suportar investimentos públicos posteriormente deficitários no funcionamento". Tudo isto regado com críticas à excessiva rede viária que já temos e com a declaração solene de que os investimentos públicos só iriam criar emprego para cabo-verdianos e ucranianos! Impreparação, incoerência, ligeireza, insensibilidade!
A construção da auto-estrada para Bragança é inadiável, por necessidade de aumentar a coesão interterritorial, mas principalmente para contribuir para o urgente desenvolvimento competitivo do Interior. Todavia, as outras que estão na calha - como, por exemplo, as vias rápidas circulares do Grande Porto - são igualmente urgentes sob pena de se tornar esta região inabitável.
Há auto-estradas a mais em Portugal? A maioria delas foi lançada ou construída, com muita honra, por Governos do PSD.
O TGV não deve ligar Lisboa a Madrid? Só se quisermos ser a única região da Península a ficar de fora do sistema de alta velocidade ferroviária. Eu sei que já tivemos ministros que defendiam o burro como meio preferencial de transporte, mas se é importante defender uma coesão de desenvolvimento territorial a nível do Estado português é vital defendê-la a nível do grande mercado único peninsular. Além de que o argumento de que nunca se deve investir em projectos posteriormente deficitários ao nível da manutenção só pode ser defendido por quem considere que uma sociedade evoluída pode dispensar os museus, os transportes urbanos, os hospitais e as escolas públicas (tudo equipamentos deficitários)! Só pode ser defendido por quem aceite como boa uma sociedade com o povo todo a ir a pé para o emprego, autodidacta e cliente dos curandeiros.
Quanto à completa iniquidade do esforço público para promoção do crescimento económico e criação de emprego, para além de fazer com que Keynes dê umas voltas no túmulo, peca por não haver uma única explicação sobre a forma como nesta fase de estagnação impediríamos o desastre económico e social, bem como sobre a forma como rapidamente chegaríamos ao desiderato de ter um forte investimento privado e um potente desempenho exportador.
E um líder também tem de ser cuidadoso com a forma. Designadamente numa Nação que faz do universalismo e do humanismo o essencial da afirmação da sua identidade. Portugal é também Arsenyi Lavrentyev, ucraniano que defendeu as nossas cores nos Jogos Olímpicos de Pequim, ou Nélson Évora.
E no meio deste frenesim ainda houve tempo para a capitulação seguidista que se traduziu no clamoroso erro de dar consenso nacional ao reconhecimento do Kosovo.
Finalmente, o tema candidatura à Câmara de Lisboa, a mais importante do país, condicionadora da dinâmica eleitoral do próximo ano.
A líder do PSD afirmou ter autorizado a Comissão Política Distrital de Lisboa a votar um nome, para, logo de seguida, dizer que o assunto não está na agenda política e portanto não dever ser discutido! Ou seja, permitiu que se avançasse com a candidatura de Santana Lopes e agora, por receio de assumir uma posição face à turbulência que tal opção provocou nos seus mais fiéis apoiantes, vai permitir que a escolha fique a ser queimada em lume brando.
Não ignoro que a presidente do PSD se dessolidarizou da sua indigitação como primeiro-ministro, que disse que nunca votaria numa candidatura nominalmente personalizada por Santana, que pertenceu à Direcção Política que o saneou em 2005, que não apreciou a sua escolha para líder parlamentar. Mas como a concepção de coerência e credibilidade com que pautou a sua candidatura à liderança tem sido traduzida num pragmatismo ziguezagueante que é compatível com quase tudo, seguiremos com interesse os próximos capítulos.
Lamentavelmente, é evidente que o furor intervencionista das últimas semanas só veio demonstrar que, afinal, talvez a tese do silêncio fosse, de facto, a mais prudente. Pelo menos escondia a aridez de pensamento elaborado sobre as grandes questões de Estado, a ausência da informação mínima sobre os grandes dossiês da governação, a impreparação em questões europeias. Até no que diz respeito ao que seria uma importante competência específica, fica patente que é grande o fosso que vai da compreensão mecânica dos labirintos da contabilidade pública à capacidade de definição conceptual de um modelo de desenvolvimento económico e social. É evidente que alguns egoístas pseudo-iluminados atiraram o PSD para uma aventura muito perigosa e autodestrutiva.
A actual Direcção do PSD está refém das vestes que escolheu, do discurso com que se apresentou, da equipa que constituiu.
Face à circunspecção de três anos de socratismo, o país esperava por um guterrismo humano e socialmente sensível, só que desta vez social-democrata e competente. Paradoxalmente, o rosto fechado e a postura assustadoramente catastrofista da nova líder do PSD vai permitir uma oportuna, mesmo em tempo de crise, retocagem mais dócil da imagem do actual primeiro-ministro.
O discurso de apresentação foi igualmente suicida. Tecnocrático e despido de ideais, já nem sequer pode ser salvo por um qualquer "Mourinho". A táctica ofensiva do "compromisso Portugal" está desfasada da história, de uma história que vai construir um novo humanismo nas cinzas de um hiperliberalismo condenado pela actual agitação planetária.
O PSD está conformado e adormecido. Daqui a pouco tempo começa a corrida aos lugares decorrentes da orgânica que vai resultar do novo ciclo eleitoral. Seria bom que essa voracidade fosse temperada pela consciência de que os resultados fazem adivinhar uma dieta eleitoral, fazem adivinhar uma completa ostracização das bases e dos quadros intermédios no que diz respeito à repartição de poder e afirmação programática.
Seria conveniente que os autarcas, últimos garantes da existência perene do PSD, se consciencializassem que eleições quase em simultâneo poderão fazer com que muitas autarquias possam ser tomadas de assalto por uma inércia nacional pró-socialista.
Convém recordar que Sá Carneiro e Cavaco Silva emergiram de grandes crises internas, escassos meses antes dos compromissos eleitorais mais ganhadores da história da democracia portuguesa. Parafraseando o rei D. Juan Carlos, ainda há tempo para dizer "porque não se cala, porque não se vai?".
* Presidente da Câmara de Gaia, Ex-líder do PSD
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LUIS FILIPE MENEZES
in JN
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